- O que você disse? - perguntou Rafael.
- Lembra da música do Lobão? - insistiu a esposa.
- PORRA, ANDRÉIA! Eu tentando me matar e você vem me falar do Lobão!!
Andréia, esposa de Rafael, respirou fundo. Mesmo cansada de tentar demover o marido da tola ideia de cometer suicídio, cantou para ele:
- "Mas não tente se matar, pelo menos essa noite não... Essa noite não..." Lembra agora?
Rafael não acreditava naquilo que seus ouvidos estavam escutando. O apelo da esposa soava-lhe quase como insulto, um aditivo para a morte.
- Você sabe que não gosto de Lobão... - disse Rafael, enfim.
- Mas eu amo! E você sabe muito bem disso!
O casal tinha suas fixações musicais. Ele era fã enlouquecido de Raul Seixas. Ela, do Lobão. Parecia bobagem, mas era praticamente o único motivo pelo qual brigavam.
- Você quer que eu cante Raul, então? - voltou a perguntar-lhe a esposa.
- Vocês sabe que eu prefiro Raul, mas...
- "TENTE OUTRA VEZ..." - cantou Andréia, interrompendo-lhe.
- Porra, Andréia! Só pode estar de sacanagem! Daqui a pouco vai começar a contar aquela história do cara que ia se matar mas desistiu porque estava tocando essa música no rádio...
Andréia olhou estupefata para o marido. - Como você sabe?
- É por essas e outras que decidi me matar! Não aguento mais essas suas frivolidades...
- Proponho fazermos um trato! - arriscou a esposa.
- Que tipo de trato? - indagou-lhe Rafael.
- Seguinte... Chamei os bombeiros enquanto você se dependurava nesse parapeito. Eles devem estar chegando a qualquer momento...
- Não acredito, Andréia! Vou pular agora!
- NÃO! Espere! Escute-me primeiro, por favor.
- Está bem... Está bem... Prossiga!
- Quando o primeiro bombeiro entrar, vou perguntar para ele se gosta de Raul. Se a resposta for positiva, você desce desse parapeito e desiste de vez dessa ideia idiota de se matar...
- E por que cargas d'água eu concordaria com isso?
- Vamos lá, Rafa. Dê uma chance para o destino. Quem sabe o Rock o salva...
- O.k. Mas tenho certeza que irei pular dessa janela. Certeza!
Alguns minutos mais tarde, viram pela janela o carro dos bombeiros estacionar em frente ao prédio. Em
seguida, alguém bateu à porta. Era o soldado da corporação incumbido de salvar Rafael.
- Entre! - gritou Andréia.
Assim que o bombeiro entrou no apartamento, Andréia e Rafael se olharam. Não acreditaram na longa franja que o soldado ostentava. Uma franja enorme, que descia quase até a altura do queixo.
Sem titubear, a própria Andréia empurrou o marido pela janela. Sabia que não havia chance alguma daquele bombeiro gostar de Raul Seixas.
- VOCÊ ESTÁ LOUCA? - gritou o soldado.
- Não... Não... É uma longa história... - respondeu ela.
Quando o bombeiro virou-se para a porta com o intuito de notificar seus colegas sobre o ocorrido, Andréia perguntou-lhe:
- Só por curiosidade... Você gosta de Raul Seixas?
- Raul?
- Sim... Gosta?
- Claro! Mas ainda prefiro o Lobão! - confessou o soldado enquanto apontava o dedo para um quadro do artista pendurado na parede da sala.
- Sim... Gosta?
- Claro! Mas ainda prefiro o Lobão! - confessou o soldado enquanto apontava o dedo para um quadro do artista pendurado na parede da sala.
- EU DISSE QUE LOBÃO ERA MELHOR! - gritou Andréia da Janela, na direção do que havia sobrado do corpo de seu marido. - EU DISSE!
Um comentário:
Que cabecinha hein!!! Confesso que achei bem engraçado o conto e temático também. Acho que essa discussão musical é assim mesmo, muitas vezes único motivo dos conflitos de um casal. Eu curto os dois Lobão e Raul Seixas, e minha esposa também, ainda bem. Mas ela também curte outras coisas que não curto, bem ela gosta de... sei lá, mas gosta de outras coisas que eu não gosto... acho que vou me matar também... mas lembra aquele poema do Drummond, etc....rsrs
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