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Ricardo era considerado um virtuose das guitarras.
Determinado que era, dominava o instrumento desde os 9, por influência do irmão mais velho.
Hoje, com 22, gabava-se por executar inúmeros solos como ninguém. Conhecia o braço da guitarra como quem conhece os próprios pensamentos.
Podia ouvir uma nota errada a quilômetros de distância. Quilômetros, eu disse.
Ademais, fazia do ato de tocar guitarra seu modo de viver. Tudo em sua vida, sem exceção, estava ligado ao instrumento.
Até mesmo suas namoradas eram escolhidas dentre o meio musical que frequentava. Sair com uma patricinha, cujo gosto musical era oposto ao seu, estava totalmente fora de cogitação.
Até que um dia conheceu Letícia.
Foi numa quinta-feira à noite, na cantina da faculdade, que a viu pela primeira vez.
A agressividade de seus lábios carnudos praticamente acabaram com Ricardo que, incontido, dirigiu-se até ela. Paixão à primeira vista.
Encontraram-se algumas vezes antes de começarem a namorar firme.
A princípio, Ricardo tinha esperanças de mudar sua namorada. No entanto, foi justamente o contrário que aconteceu.
Sem que ele mesmo percebesse, havia mudado seu estilo de vida. Cortou os cabelos compridos, largou os jeans rasgados e, pouco a pouco, passou a deixar a guitarra de lado.
Logo que passaram a morar juntos, Letícia - sua namorada - praticamente o obrigou a largar seu tão amado instrumento.
A guitarra ou eu, impôs-lhe ela.
Agradá-la nunca fora tarefa das mais fáceis. Ricardo sentia como se precisasse multiplicar-se para satisfazer seus anseios e ordens.
Com o passar do tempo, no entanto, Ricardo percebeu que já não era mais o mesmo. O suficiente para sentir pena de si mesmo.
Que tipo de homem se transforma dessa maneira?, pensava todos os dias.
Um dia, chegou em casa e não encontrou sua guitarra. Aos questionar Letícia, ouviu que ela havia vendido o instrumento há dois meses.
Ricardo sentiu raiva. Muita raiva. Mas diante de sua nova condição, não se sentia capaz de protestar.
Dias mais tarde, ainda com raiva de si mesmo por ter se permitido ser tão passivo, caminhava pelo shopping sem maiores pretensões.
Estava pensando em voltar para casa quando avistou uma loja de instrumentos musicais. Decidiu entrar. Afinal, sua namorada não haveria de saber.
Quase tremendo, empunhou uma fender stratocaster e teve vontade de chorar.
- Toque alguma coisa! – disse o vendedor.
- Não, brigado – respondeu Ricardo, triste.
Quando estava se virando, ouviu o vendedor dizer:
Ricardo sentiu o sangue ganhar-lhe a face. Não podia acreditar naquilo que acabara de ouvir.
Então, num rompante categórico, arrancou a guitarra das mãos do atendente, aumentou o volume do amplificador valvulado, e executou o solo mais empolgado da história daquela loja de instrumentos.
Quiçá, daquela cidade.
Uma verdadeira epifania musical.
A moça que trabalhava no caixa, cujo crachá apontava o nome Maria, deu um largo e autêntico sorriso.
Ao vê-la sorrindo daquela maneira, Ricardo não teve mais dúvidas. Sabia que precisava de uma guitarra e uma nova namorada; talvez não nesta mesma ordem.
Sorte a sua que as duas coisas encontravam-se no mesmo lugar. Numa incrível loja de guitarras...