Foto: blogtorcida.com.br
A atração que envolvia Ernesto e Lúcia limitava-se a olhares.
Embora pertencessem à mesma roda de amigos, nunca conversavam. Parecia existir uma barreira invisível impedindo-os de trocar palavras.
Ambos eram solteiros, não havendo qualquer impedimento no caso de um eventual relacionamento. Absolutamente nada.
Ernesto, uma espécie de líder nato da turma de amigos, era um cara extrovertido e alegre. Não raro, o centro das atenções.
Contudo, bastava Lúcia se aproximar para que um silêncio agressivo lhe invadisse o corpo. Tudo o que queria era observá-la e esperar pela tão aguardada e quase frequente enigmática troca de olhares.
Lúcia não era tão extrovertida quanto seu observador. Preferia conversas paralelas a chamar a atenção em demasia dos demais membros do grupo.
Todos os amigos já haviam percebido o clima de envolvimento que se instaurara entre Ernesto e Lúcia, bem como pareciam divertir-se com a situação. Sem que o casal soubesse, procuravam sempre deixá-los sozinhos nos mais variados ambientes.
Eles, no entanto, não falavam nada quando juntos. Apenas limitavam-se a trocar olhares de forma silenciosa.
Não se tratava de uma troca de olhares velada, dita normal. Olhavam-se diretamente nos olhos, com voracidade, quase como em uma guerra fria. Faziam isso até mesmo quando estavam sentados bem próximos um ao outro.
Naquela sexta-feira em particular, os olhares estavam ainda mais penetrantes que o de costume. Devoravam-se com os olhos na frente de todos.
A tensão provocada pela incessante jogo de olhares era deveras densa. Quase palpável.
Quando os amigos resolveram deixá-los novamente sozinhos, mais uma vez com o intuito de tentar aproximá-los, Ernesto sentiu suas mãos suarem.
Sabia que não podia, para o bem de sua sanidade mental, manter-se calado diante do objeto do seu desejo em mais uma oportunidade.
Precisava agir antes que outro homem o fizesse.
Então, quebrando a regra implícita que ele mesmo havia ajudado a criar, Ernesto resolveu, enfim, puxar assunto com Lúcia.
Para surpresa dos amigos, que assistiam a tudo aparvalhados, a conversa não durou mais do que quinze minutos, tempo suficiente para saíssem desapontados um com o outro.
Frustração era o sentimento predominante.
Mais tarde, foram embora tristes com o desfecho da noite atípica. Algo lhes dizia que deveriam ter ficado somente nos olhares, como de costume.
No fim de semana seguinte, o grupo de amigos combinou que todos se encontrariam em um barzinho próximo à faculdade.
Porém, somente quando chegou ao bar Ernesto percebeu que seus amigos haviam armado mais uma das suas.
Lúcia, a dona do par de olhos mais incríveis que já havia visto, era a única amiga que lá estava. Mais ninguém.
Ernesto, então, puxou uma cadeira e sentou-se a mais ou menos três metros de Lúcia.
Levou pouco menos de dois segundos para que ambos trocassem olhares ainda mais intensos do que outrora.
E assim, calados, permaneceram pelo restante da noite.
Entenderam, naquele instante, que palavras eram despiciendas. Desprovidas de qualquer sentido.
Bastava-lhes os olhares. Nada mais.
Um comentário:
Cara, realmente, na maioria das vezes nos restam apelas os olhares. Dizem muita coisa.
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