segunda-feira, 12 de março de 2012

Num afluente qualquer...



Foto: umpoucodepoesia-msframos.blogspot.com

Não sabia se havia sido a cachaça sugestivamente chamada de "tonturinha" que havia ingerido em excesso horas antes ou a umidade pecaminosa daquele lugar.

A única certeza que tinha é que não fazia ideia de como havia chegado naquela balsa de proporções quase fantasiosas.

Olhei para um lado, depois para o outro, e percebi que estava numa espécie de discoteca fluvial repleta de pessoas cujo mau gosto era perceptível pelo vestuário.

Jamais frequentaria um lugar desses, pensei.

As músicas executadas pelo DJ eram ainda piores. E o balanço do barco as deixava ainda mais nauseantes.

A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar a um senhor que estava do meu lado se ele imaginava como eu havia chegado naquele exato local. Porém, seu visível estado de embriaguez me demoveu da absurda ideia.

As outras pessoas ao meu redor não pareciam menos embriagadas, motivo pelo qual me dirigi até o bar. Alguém naquele lugar haveria de estar sóbrio, imaginei.

O barman, que deveria pesar uns 120 Kg, suava feito um porco. Sua camiseta branca de algodão, cujo frase dizia "amo minha mãe", estava quase transparente.

- O senhor, por acaso, sabe como eu vim parar aqui? - indaguei-lhe, temerário.

Ele ouviu minha pergunta em silêncio. Após, limpou o suor com o pano de prato que carregava sobre o ombro esquerdo e soltou uma tremenda gargalhada.

- Não faço a menor ideia de como você veio parar aqui, seu idiota! - respondeu-me quase afogado de tanto rir.

- Onde estamos? - perguntei.

O gordo homem, então, parou de rir. Sério, retrucou:

- Neste exato momento?

Balancei a cabeça em sinal afirmativo.

- Acho que num afluente do Rio Paraná do Careiro.

Sorri enquanto esperava que me dissesse estar brincando, mas o sorriso de volta não veio.

- Em que cidade fica esse rio?

- Em Manaus, claro.

- Manuas do Amazonas? - perguntei, incrédulo.

- Óbvio - respondeu-me o barman.

Senti minha cabeça girar freneticamente.

Estava prestes a desmaiar quando alguém puxou-me pelo braço até o lado de fora da balsa. Aos poucos, fui recobrando o ar e a percepção.

Quando olhei para o lado com o intuito de agradecer à admirável pessoa que havia me ajudado em situação tão desconfortante, levei um senhor susto.

Ali ao meu lado, estava a mulher mais bela que já havia visto na vida. Tal qual uma estrela, quase emanava luz própria.

Não era o fato de ela ser linda que eu estranhava, muito embora sua beleza fosse quase suspeita. Mas o que uma mulher daquelas fazia naquele lugar.

Definitivamente, um não havia nascido para o outro.

Sem dizer uma única palavra, a bela mulher, com seus ainda mais belos lábios, avançou em minha direção com cara de pecado.

Mesmo sem olhar para os lados, pude sentir a inveja das pessoas que nos rodeavam. Havia chegado, enfim, meu dia de sorte.

Sem titubear, beijei-a com todo ardor possível. Foi "o" beijo.

Então, ela se desvencilhou de mim. Em seguida, para meu total espanto, subiu no corrimão do barco e pulou na água antes mesmo que eu pudesse protestar.

Fiquei ainda mais perplexo quando a vi balançar um imenso rabo de sereia, oriundo sabe se lá de onde.

Foi nesse momento que acordei com a boca deveras azeda, resquício de um sábado pra lá de etílico.

Levantei, olhei no espelho, e prometi para mim mesmo:

- Cachaça "tonturinha" nunca mais. Nunca mais!

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