João era conhecido por todos por uma característica um tanto heterodoxa: não sorria em hipótese alguma.
Não era apenas mais uma dessas pessoas sérias demais. Ele, literalmente, não sorria.
E nem mesmo a mais fofa das criaturas era capaz de arrancar um sorriso do sério e peculiar João.
No escritório de contabilidade onde trabalhava, havia até uma lenda de que João não sorria desde criança, cuja veracidade, vez ou outra, era questionada pelos mais curiosos.
O fato é que os colegas mais antigos já estavam acostumados com tamanha seriedade. Os mais novos, não.
Certo dia, então, Ana Cláudia, uma contadora recém contratada, não acreditou quando ficou sabendo da característica de seu colega.
Repetia para si mesma em voz alta: - Ninguém fica anos sem sorrir! Ninguém!
Assim, inconformada que só, apostou com os colegas que arrancaria um sorriso de João.
Após uma meia dúzia de chopes, disse a todos em um happy hour: - Serei a primeira a arrancar um sorriso de João, haja o que houver!
Os colegas, contudo, já estavam gastando por conta da aposta. Afinal, se existia algo que não mudava neste mundo era o fato de que João não sorria. NUNCA!
Ocorre que Ana Cláudia era uma mulher insistente. Além disso, era do tipo que não sabia brincar quando o assunto era uma aposta. Fazia chover, se fosse preciso, para triunfar sobre os outros.
Numa quinta-feira pela manhã, então, começou a puxar assunto com João, o que acabou se repetindo nos dias seguintes.
Uma piadinha aqui, uma gracinha acolá. Porém, nada acontecia. Absolutamente nada.
Ana Cláudia tentou até mesmo fazer cécegas em João. Este, contudo, continuava impávido.
Tão sério quanto um homem sério deve ser.
Irresignada com seu fracasso, Ana Cláudia resolveu apelar. Era tudo ou nada desta vez.
Então, no final do expediente de uma terça-feira chuvosa, quando se encontravam apenas os dois no escritório, Ana Cláudia foi até a sala de João.
De inopino, entrou, trancou a porta, e disse: - Quero você, João! Quero você agora!
Inicialmente, João achou estranho comportamento de sua colega, mas acabou não resistindo aos seus encantos.
E assim se passaram duas horas de loucuras indescritíveis.
Mas nem mesmo se virando do avesso Ana Cláudia conseguiu fazer João sorrir. Estava realmente difícil.
Numa última tentativa, então, Ana Cláudia, com a sua voz mais meiga, miou:
- Dá um sorrisinho pra mim, João... Queria tanto de ver sorrir... Só um, vai...
Seu colega, porém, limitou-se a permanecer sério, o que fez com que Ana Cláudia saísse da sala irritada.
João, por outro lado, trancou a porta da sala, sentou em sua cadeira e fechou a cortina.
Ato contínuo, após se certificar de que não tinha ninguém olhando, abriu um sorriso largo; Um sorriso vibrante; Um sorriso gostoso; Um sorriso que não dava desde os nove anos de idade.
Finalmente, disse para si mesmo em voz alta: - A vida é boa!
E, ainda sorrindo, repetiu: - A vida é muito boa!
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