domingo, 15 de dezembro de 2019

Fica um vazio

Sexta à noite, como de costume, tão logo cheguei do trabalho, coloquei a coleira na Josefina, minha catiora, e saí para passear.

Cansado ou não, sempre cumpro à risca essa ritual tão aguardado pela Josefa, a catiora.

Desta vez, contudo, quando saía do prédio, fui abordado por um vizinho com quem mantenho muito pouco contato

Devo tê-lo visto umas três ou quatro vezes, para ser mais preciso.

Para minha surpresa, com um semblante visivelmente triste, ele olhou para mim e disse:

- A minha está aqui...

Em seguida, sem qualquer cerimônia, puxou de dentro de um saco uma caixa pequena, que, de pronto, entendi como sendo o receptáculo em que guardava as cinzas de sua cachorra.

O suficiente para me desconcertar por completo. Definitivamenteaquilo me pegou de surpresa.

Meio sem saber o que dizer, perguntei se fazia tempo, tendo ele respondido que havia morrido no último sábado. Há pouquíssimo tempo, portanto.

Disse-me isso com uma tristeza de dar inveja ao Johnny Cash.

Então, depois de alguns poucos segundos de silêncio que  mais pareceram horas, ele disse:

- Fica um vazio...

Uma frase curta, porém densa o bastante para ficar ressoando em minha cabeça o resto da noite.

Logo em seguida, acompanhado de sua cachorra em forma de cinzas, ele, o vizinho, retomou seu rumo e entrou no prédio.

Nesse instante, ainda meio sem saber como agir, senti a tal da empatia em seu estado mais brutal.

E o fato de ter me colocado em seu lugar fez tudo parecer assustadoramente mais real.

Sei que esse tipo de coisa foge ao nosso controle, mas, por um instante, olhei para a Josefa e senti medo

Não está nos planos perder essa catiora tão cedo, obviamente.

Só me resta torcer, pois, para que o inevitável momento de dizer "fica um vazio" ainda demore muito para acontecer.

Não posso fazer mais nada além disso, infelizmente.

Infelizmente.

Imagem: https://www.pinterest.ca/pin/401594491747592508/

domingo, 24 de novembro de 2019

Pequenos grandes momentos

Já fazia algum tempo que não comprava uma coca-cola.

Alguns anos, acho.

Ou talvez seja apenas a minha memória me traindo mesmo. 

De qualquer forma, ir ao mercado com o objetivo específico de comprar um refrigerante, diferentemente do que acontece com o líquido precioso amarelo (leia-se cerveja), é algo bem raro.

Não preciso listar motivos para isso, certo?

Ontem, contudo, contra toda e qualquer probabilidade, acabei comprando uma coca.

Por que não? Eu sou a lei.

Ocorre que me esqueci da existência do refrigerante em questão tão logo o guardei. Culpa da falta de hábito, talvez.

Ele, o refrigerante, ficou o dia inteiro esquecido em meio às garrafas de cerveja que infestam minha geladeira, para minha própria felicidade.

À tarde, saí com uns amigos para ver um jogo. Como de praxe, bebi alguns chopes gelados e comi algumas bobagens salgadas por demais.

De madrugada, então, acordado por uma sede voraz, dirigi-me à geladeira em busca de uma garrafa de água

Obviamente, não tinha mais água gelada (emoji olhando para cima).

Pasmem, mas quando você mora sozinho, ninguém enche as garrafinhas de água se você não o fizer.

Já estava me xingando mentalmente quando meu olhar periférico que, via de regra, costuma ser péssimo, fez com que avistasse a garrafa de coca-cola que repousava em berço esplêndido na porta da minha geladeira.

A coca! - disse em voz alta com uma vibração incomum para o horário, mais precisamente, três horas da manhã.

Aliás, no melhor estilo Emily Rose, sempre acordo nesse horário. 

Medo, né? (tô falando sério).

Enfim... Então, movido por uma sede ancestral, virei aquela coca-cola com gosto, com uma vontade sem precedentes.

Não sei se foi o sódio, a leve ressaca, ou mesmo o aparelho móvel e seu gosto peculiar, mas, sem dúvida, foi o melhor gole de coca que já tomei nesta vida.

E foi nessa hora que tive um insight: definitivamente, a vida é feita de momentos.

Algumas vezes, de pequenos momentos mesmo. 

Em outras, contudo, de momentos excepcionais.

Como um gole inesperado de coca gelada numa madrugada qualquer.

Algo superável, é verdade. Mas, ainda assim, um relativo senhor momento.

Não pelo ato em si, mas pelo fato de ter me dado conta de que aquilo, naquele momento, estava me fazendo feliz.

Algo que nem sempre enxergamos. 

Nem sempre.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Destino?

Quando conheço uma pessoa nova, fico imaginando quantas vezes devo ter cruzado com ela ao longo desta vida.

Quantas vezes - fisicamente falando mesmo - passei ao seu lado sem sequer suspeitar de sua existência.

Se já nos esbarramos em alguma fila de um carrinho de churros.

Se, involuntariamente, já "fechei" seu carro numa dessas tantas rótulas espalhadas por aí (Tubarão que o diga).

Se já dividimos uma gangorra quando crianças.

Se, na tentativa de ser educado, segurei a porta de entrada de um prédio qualquer.

Ou mesmo se já a desejei secretamente em algum restaurante enquanto passava por minha mesa rumo ao banheiro.

Enfim, esse tipo de coisa.

Seria no mínimo interessante poder analisar esses dados. 

Tentar recordar o que ambos faziam num mesmo local no inóspito ano de 2006, por exemplo.

É muito doido o fato de cruzar tantas e tantas vezes com uma mesma pessoa sem imaginar que, no futuro, ela viria a impactar sua vida.

Às vezes com mais intensidade, às vezes com menos. 

De qualquer forma, isso gera questionamentos.

Por que nunca nos notamos antes?

Por que somente agora o encontro foi forte o bastante para nos unir?

Não era a hora certa? 

A idade ideal, quem sabe?

Nossas almas não estavam preparadas?

Quem sabe nossos signos não estavam alinhados com o sol ao mesmo tempo ou alguma bobagem parecida?

Vou ser ousado: Destino? 

Ou talvez só coincidência mesmo?

Não sei.

E você? Sabe?

Foto: http://www.correiodecorumba.com.br/?s=noticia&id=28029

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Tenho que escrever sobre isso

Bem... este não é só mais um conto, uma crônica ou mesmo uma poesia na forma do art. 14, II, do CP (piadinha operador do direito style).

Este texto é uma espécie de agradecimento aos leitores deste blog, que, na contramão da corrente, mantém-se firme ao longo de mais de uma década.

Sim, este espaço está na iminência de completar 4.380 dias de existência.

Também conhecido como "blog 12 anos" (reconheço que essa piada faz mais sentido para quem é bêbado).

Um tempo relativamente longo, sobretudo se comparado há algumas outras paixões fugazes que tive ao longo da vida.

O que acho mais interessante nisso tudo é que nem mesmo o tom por vezes pejorativo, atualmente atribuído à palavra "blogueiro", fez com que desistisse da plataforma em si, que, convenhamos, encontra-se um tanto fora de moda.

Poderia ter migrado para o instagram, por exemplo, conforme já me foi sugerido algumas vezes por pessoas notadamente mais inteligentes que eu, alcançando, assim, um número muito maior de pessoas.

Mas a questão é que gosto do peculiar espaço que ocupo. 

Por mais que pareça bobagem, sinto como se fosse a própria resistência dos blogueiros!

Membro de uma geração que, aos poucos, tal qual uma espécie à beira da extinção, vai desaparecendo dia após dia da face da terra.

Deveria existir uma "carteirinha" para pessoas como eu. Algo do tipo: Membro do blogspot.com (since 2007).

Tenho certeza que eu iria impressionar muita gente com isso (SQN).

Enfim, lembro como se fosse hoje quando escrevi o primeiro texto...

Jamais imaginaria que este humilde blog duraria tantos anos, quiçá que um de seus textos, mais tarde, daria origem a um romance.

Escrevi tantas e tantas coisas... 

O arquivo aí do lado da página não me deixa mentir. Exatas 369 postagens.

E, por mais que tenha mudado minha forma de pensar ao longo dos anos, ainda assim me orgulho de cada um desses textos.

Tudo que escrevi, ou quase tudo, foi de coração. Com o modo sincero ativado.

Enfim, apenas gostaria de agradecer a todo mundo que fez ou ainda faz parte deste espaço.

Que vez ou outra, perde um tempinho para ler as coisas bobagens que escrevo.

Em especial, àqueles que sempre me dão um feedback. Vaidade à parte, estes estão guardados em meu coração com um pouco mais de destaque.

A opinião de vocês é de grande valia à minha pessoa. "Sério mesmo".

E que a recorrente sensação que habita em mim, também conhecida como "tenho que escrever sobre isso", perdure por muito mais tempo.

Para sempre, se possível.


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Aposto que...

Hoje pela manhã, enquanto fazia compras num mercado relativamente "super", acabei ouvindo sem querer parte da conversa de duas funcionárias do estabelecimento.

Um início de frase, em especial, chamou-me a atenção, a clássica e arrogante afirmação: "aposto que ela disse...".

A funcionária cujo nome não faço a menor ideia mencionou isso, obviamente, com aquele tom natural de deboche, comumente acompanhado de uma boca torta e uma careta estranha o suficiente para mostrar seu descontentamento aos estranhos que como eu por ali passavam. 

E o som que sucedeu a malfadada afirmação, não menos previsível, foi algo parecido com um "nhenhenhenhem".

O suficiente para que minha deficitária lista mental de compras fosse interrompida por um imediatismo mais voraz que uma dose de tequila.

Então, em meio aos poucos tipos de queijos à venda no local (avisei que o super não era tão "super" assim), pus-me a refletir um pouco sobre o assunto.

Em resumo, fui tomado pelo bom e velho "tenho que escrever sobre isso".

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ALERTA! Hoje, estou um pouco mais abstrato do que o de costume. Não digam que não avisei.
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Ora, convenhamos que achar que sabemos o que uma pessoa disse ou não na nossa ausência, ainda que a conheçamos intimamente, como o verbo impõe, não passa de um exercício de "achismo". 

O próprio "aposto" incrustado na frase, sem qualquer cerimônia, sugere isso.

Contudo, temos que admitir que esse exercício é bem comum. Acredito que boa parte de nós, ainda que inconscientemente, assim proceda.

Não?

Maldita mania de emitir julgamentos aleatórios sobre tudo e todos.

"Aposto" (é mais ou menos disso que estou falando) que a psicologia deve ter alguma explicação satisfatória sobre o assunto. Algo no sentido de que projetamos nossos sentimentos e inquietações no próximo ou coisa parecida.


Ocorre que, embora essa consciência toda seja um bom início, ela, sozinha, não nos ajuda muito.

No máximo, sentiremos uma culpa passageira após emitirmos o "aposto" da vez.

Nada que não se dissolva bem rápido entre um "aposto" e outro.

O negócio, então, pelo menos ao que me parece, é tentar melhorar como ser humano. 

Em outras palavras, tentar deixar os "apostos da vida" de lado.

Difícil? 

Difícil.

Porém, ao que tudo indica, a melhor saída.

Pelo menos, é nisso que aposto.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Revendo opiniões

Foto http://blogdeumasalvavidas.blogspot.com
Diferentemente do que ocorria num passado nem tão distante assim, acho bem legal quando me dou conta de que mudei de opinião sobre determinada coisa.

Especialmente quando se trata de uma "verdade" que carregava comigo há bastante tempo.

Daquelas bem arraigadas, sabe?

Costumo ser acometido por uma pseudo sensação de evolução pessoal quando isso ocorre.

Mais ou menos como se estivesse me tornando alguém melhor, ainda que, na prática, isso acabe fazendo sentido apenas para mim.

É que gosto muito desse conceito de que as opiniões são efêmeras por natureza, por mais redundante que essa afirmação soe.

"Sujeito sujeito" a mudanças.

Certamentenão há qualquer garantia de que uma eventual nova forma de pensar seja melhor do que a anterior.

Há sempre o risco de uma involução, como os eleitores responsáveis pela nossa "nova política" não se cansam de provar.

[favor não dar tanta importância assim a esse comentário de cunho político e continuar a leitura como uma pessoa sensata]

Porém, acredito que seja pouco provável um retrocesso quando o assunto é rever um ponto de vista.

Até porque, a própria maleabilidade inerente ao ato de permitir-se ver as coisas sob outra perspectiva já revela uma certa inteligência emocional.

Tão é verdade que as pessoas mais inteligentes que conheço - ou, pelo menos, as que assim julgo - não veem problema algum em rever opiniões até então defendidas a unhas e dentes.

Ainda que isto não seja algo tão corriqueiro, é simplesmente incrível quando nos damos conta de que nem mesmo as verdades absolutas são tão absolutas assim. 

Nada, absolutamente nada, é mais enfadonho do que uma pessoa engessada por suas velhas opiniões.

Um escravo de suas verdades de gosto questionável.

Como diria o mestre Raul, "eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".

Pelo menos, é o que almejo. O que, convenhamos, já é um bom ponto de partida.

Como eu sempre digo: Só acho.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Questão de tempo

Visando o bem-estar da população local, a Prefeitura está construindo uma pista/ciclovia às margens do surrado e triste rio que rasga a Cidade onde eu moro.

Para fazer isso, consequentemente, viram-se obrigados a cortar inúmeras árvores plantadas no local há algumas décadas.

Inúmeras.

Não sei qual a espécie das árvores, se esse corte havia sido programado no passado ou mesmo se vão ser reutilizadas em alguma ação social - o que, a propósito, seria bem legal.

Para ser bem sincero, não sei quase nada a respeito. Apenas que foi necessário decepá-las para dar início à tão aguardada obra.

E isso me deixou dividido.

Não que eu não esteja interessado na obra em si; pelo contrário, serei um dos primeiros a utilizar a pista para correr, como tenho feito ao longo dos anos.

Aliás, fiquei super empolgado quando soube da notícia de que ali seria construída a tal pista.

Mais do que isso, não tenho dúvidas de que a obra em questão é consenso na Cidade. 

Até porque, ficar caminhando/correndo/pedalando enquanto se disputa espaço entre os carros, além de perigoso, é um tanto desagradável.

Mas confesso-lhes que, ainda assim, me bateu uma certa tristeza ao ver aquelas árvores todas deitadas junto à rodovia

Mortas. 

Por óbvio, sei que contribuímos consideravelmente com essa degradação. 

Seria um tanto hipócrita da minha parte reclamar de cortes de árvores tendo em meu apartamento um lindo chão de laminado, dentre outras coisas

Seria como reclamar da extração do petróleo e usar o carro todos os dias.

"Não obstante/contudo/todavia/porém", mesmo sendo partícipe desse arboricídio, permanece essa sensação de tristeza.

De que alguma coisa está muito errada.

Essa sensação de que estamos acabando com a natureza para que tenhamos uma vida mais confortável.

A verdade é que nós seres humanos - me incluo nessa - não passamos de uns malditos parasitas.

Nessa ânsia de mais e mais comodidades nem tão inadiáveis assim, vamos acabar com absolutamente tudo.

Parece ser apenas uma questão de tempo.

E, sendo a obra benéfica ou não, essas árvores da foto, no fim das contas, são apenas mais uma prova disso.

Infelizmente.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Sinceridade à flor da pele

Nesta última segunda, fiquei positivamente surpreso quando abri meu instagram.

Mais precisamente quando terminei de ler um texto que uma amiga havia recém postado.

O texto em questão fala sobre depressão e suas agruras, dentre outras coisas.

E, embora escrever sobre o assunto já seja surpreendente o bastante, considero-o assim por um outro motivo, por ter sido muito, mas muito verdadeiro.

De uma sinceridade desconcertante, eu diria. 

É que, convenhamos, é muito difícil ver alguém expor suas "fraquezas" dessa forma.

Achei muito corajoso, para dizer o mínimo.

Ainda mais em tempos de redes sociais, em que todos estão ocupados demais jogando sua felicidade na cara da sociedade.

Sim, nós fazemos isso (o tempo todo).

Lembro de, logo após ler o texto, ficar pensando que qualquer pessoa com um mínimo de empatia deve ter se colocado no lugar dela e pensado "que mulher foda".

Pelo menos, foi o que eu pensei.

Superar adversidades, por natureza, já costuma ser algo muito difícil. Agora, superar uma doença que vem das profundezas do seu eu deve ser algo ainda pior.

Sobretudo com um bando de desinformados que, na ânsia de tentar ajudar, acabam atrapalhando ainda mais.

Aliás, espero que eu não esteja fazendo isso neste exato momento, o que não é nada improvável (risos).

Sei que a depressão é algo sazonal, de modo que nada resta a ela senão controlá-la, como, aparentemente, tem feito bem. 

Por conta disso, acredito que o medo de sofrer desse mal novamente deve ser algo muito presente, infelizmente.

Tentei me colocar no lugar e fiquei imaginando como seria conviver com um receio dessa magnitude.

Deve ser assustador. 

Contudo, penso que uma pessoa capaz de escrever um texto assim tão visceral é capaz de qualquer outra coisa.

Qualquer outra coisa! 

Afinal, pessoas intensas costumam ser muito fortes também

Parece-me ser o caso, felizmente.

De qualquer forma, fico na torcida. 

terça-feira, 6 de agosto de 2019

O brilho no olhar

Pedro estava apaixonado.

Mais do que isso, estava inebriado, embasbacado, atordoado.

Não havia sufixo "ado" capaz de dar conta de sua atual e precária condição.

Em bom português: Pedro estava "fudido".

E como não poderia ser diferente, ele tinha plena consciência disso.

Eram inúmeros os sinais. Dentre eles, o que mais lhe chamava a atenção, era o fato de estar aéreo, distante.

Não prestava atenção em nada. Absolutamente nada.

Tudo o que fazia - e o que queria fazer - era ficar pensando em Alice, "a dama da sua desgraça".

Ocorre que aquilo começou a consumir-lhe por dentro. 

Afinal, por mais interessante que fosse aquele sentimento, era também corrosivo e angustiante como somente uma paixão pode ser.

Pedro, porém, estava começando a dar sinais de cansaço. Sem dúvidas, estava sucumbindo à enxurrada de hormônios produzida por seu corpo.

E isso o motivou a tomar uma decisão: iria contar tudo a Alice.

Não o tinha feito antes, por óbvio, por medo de ser rejeitado.

Até porque, se uma paixão dói, o que dizer de uma "paixão não correspondida"?

Sem muitas voltas, então, revelou tudo a Alice. 

Contou das noites mal dormidas, do tempo que havia perdido pensando nela, das horas e horas gastas olhando para o horizonte, do fato de estar extremamente aéreo, de se sentir extremamente atordoado, dos calafrios, palpitações, etc.

Contou tudo, tudinho

E, como num conto de fadas, Alice se apaixonou de volta no ato.

Sim, ela se apaixonou exatamente naquele instante.

Não foram as palavras de Pedro as responsáveis por isso, tampouco as "hipérboles desmedidas".

Foi o brilho no olhar.

Não havia mulher neste mundo capaz de sair ilesa daquele brilho deliberado e fulminante que Pedro trazia consigo nos olhos.

Não mesmo.

Pedro a olhava com vontade.

Agora, eram dois os apaixonados. Duas pessoas a sofrerem os doces males desse arrebatamento resumido precariamente pela palavra "paixão".

Apaixonar-se pode ser algo cruel, mas nem sempre.

Nem sempre...

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Adaptação

Assim que terminei meu último relacionamento (que, "tecnicamente", foi o único), tive que lidar com a ideia de morar sozinho.

Quando me dei conta, não havia mais ninguém em casa além de mim e minhas inúmeras incertezas.

Algo relativamente bem assustador, a princípio.

Chegar em casa e não ter com quem conversar - a Josefina não fala, infelizmente - é algo bem angustiante, sobretudo quando se é um principiante nesse assunto.

Não fosse a televisão e o som irritante que insistentemente teima em sair dela, seria possível cortar com uma faca o silêncio que paira (pairava) no ar.

Invariavelmente, então, você acaba se sentindo só, o que pode levar-lhe a tomar decisões precipitadas.

Essa "solidão passageira", a propósito, deve ser o principal motivo pelo qual as pessoas insistem em retomar um relacionamento cujo ciclo chegou ao fim.

À medida que o tempo foi passando, contudo, fui me acostumando com a sensação de morar sozinho.

E algo que certamente me ajudou nesse processo foi uma mudança involuntária no meu comportamento. 

De repente, me peguei interagindo com as outras pessoas com uma frequência muito maior.

Só então me dei conta de que interagir passou a ser uma necessidade, e não mais um mero passatempo.

A verdade é que acabei me adaptando à situação. 

Adaptar-se, aliás, talvez seja uma das melhores qualidades do ser humano. Afinal, com um pouco de boa vontade, nos amoldamos a quase tudo.

Hoje, posso dizer que gosto de morar sozinho. No mínimo, sinto-me à vontade com essa condição.

É aquela velha máxima: nada como um dia após o outro.

Claro que sinto falta de ter alguém com quem partilhar as coisas (das mais importantes, como uma grande conquista pessoal, às mais triviais, como fazer o café).

Até porque, acredito que seja da nossa natureza querer fazer isso com quem julgamos especial.

Mas se tem uma coisa que apreendi nestes últimos anos (nos últimos meses, em especial), é que tudo tem seu tempo.

Tudo, absolutamente tudo, tem a hora certa.

Enquanto isso, sigo só.

Por mais incrível que pareça, sinto-me bem com a minha própria companhia (risos).

Menos mal...