terça-feira, 2 de julho de 2019

O Beijo de Maria

imagem: domtotal.com
Raul acordou com uma sensação estranha naquela terça de inverno ortodoxamente gelada.

Não era a fome incomum tampouco o ruído infernal que invadia a janela de seu apartamento os responsáveis por isso.

Não!

Tratava-se de algo muito mais complexo e instigante: uma mulher.

Uma mulher, não. A mulher! 

Maria era o nome dela. Ou "Santa Maria", como ele gostava de chamá-la em seus pensamentos (nos impuros, inclusive).

Eufemisticamente falando, tratava-se da mulher mais charmosa num raio de mil galáxias.

Maria, definitivamente, era um absurdo de tão atraente. Um disparate.

Nem mesmo um Machado de Assis seria capaz de descrever uma beleza tão intimidadora. 

E Raul sabia que precisaria tomar uma atitude cedo ou tarde. No mínimo, deixar o campo hipotético e arriscar sua sorte.

Mesmo porque, não tinha mais condições de viver naquela angústia.

Então, numa quinta-feira à noite, munido de uma coragem para lá de passageira, atribuída à sua sinceridade etílica, resolveu arriscar.

Como se fazia num passado nem tão distante assim, ligou para Maria (sim, ligou) e a convidou para tomar um chope, com o que ela prontamente concordou, para seu delicioso espanto.

O único problema é que Raul não estava preparado para o aceite; como bom sonhador que era, havia idealizado somente até o momento do convite.

E isso o deixou nervoso. Intimidado.

Assim que saíram, contudo, o nervosismo foi dando lugar a uma sensação agradável.

O fato de estar na companhia do exemplar mais belo da espécie humana, estranhamente, fez com que se sentisse seguro, dono de si.

E foi somente quando se beijaram que Raul soube que, de alguma fora, havia nascido para aquilo.

Sua missão na terra era beijar a mais especial das mulheres.

Por um instante, sentiu pena dos demais mortais. Não muito, é verdade, mas sentiu.

E sorriu como somente um homem que beija uma Maria seria capaz de sorrir.

Havia chegado, enfim, a sua vez de sorrir.

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