quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Tenho inveja de quem fuma

Não sou fumante, tampouco tenho a pretensão de me tornar um.

Ainda assim, confesso-lhes que tenho uma certa inveja de quem fuma.

Não do cheiro intragável, claro - sem trocadilhos de qualidade duvidosa, por favor.

Tenho inveja é do estilo

Estilo, aliás, talvez tenha sido o principal motivo que fez com que as pessoas virassem fumantes na década de 70.

A geração dos meus pais não me deixa mentir.

Tanto que alguns deles continuam estilosos (e se matando aos poucos) até hoje.

Como diz uma amiga: rindo, mas com respeito.

Até porque, o "se matando", como se sabe, é uma questão de ponto de vista. Nós, não fumantes, o fazemos com outras coisas menos escrachadas.

Estou mentindo?

Mas a coisa que mais me dá inveja, na verdade, é a pseudosserenidade que o fumante passa aos demais mortais.

Na próxima vez que você ver "um fumante", o que, convenhamos, é quase um xingamento nos dias atuais, repare bem:

Ele pode estar na situação mais estressante que existe, como em uma entrevista de emprego, por exemplo. 

E o que ele faz? Demonstra insegurança? 

Não! 

Ele, sem qualquer cerimônia, pede licença e vai até a rua fumar seu cigarro, assim como costuma fazer em todos os outros dias do ano.

Então, lá, parado, e olhando para o horizonte, exibe uma pseudosserenidade de dar inveja a um leão na savana.

Pseudo porque, certamente, está uma pilha de nervos por dentro.

É aquela velha história do pato na lagoa...

Em cima da água, calmaria; embaixo, pés a mil por hora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Como diria Zé Ramalho, "Freud explica".


domingo, 16 de fevereiro de 2020

Olhar de derrubar impérios

Era o olhar de derrubar impérios que distinguia Manu das demais mulheres.

Mesmo sem fazer qualquer força, seus olhos desgraçavam vidas masculinas. Por vezes, femininas também.

Seus olhos estavam um degrau acima do que conhecemos por perfeição.

Assim como uma xícara de café quente numa manhã de terça chuvosa no inverno do planalto catarinense, eram deveras convidativos.

Raros eram os homens que não sucumbiam àquele par de olhos de aspecto tão denso.

Seu olhar era de uma beleza tão avassaladora que chegava a ser intimidante.

Manu, por óbvio, estava ciente da força estrondosa de seu olhar, sobretudo quando usado de forma deliberada.

Palavras eram desnecessárias. Bastava pôr os olhos em alguém de forma proposital e ganhar seu coração.

Por isso, e por um pouco de pena também, evitava olhar os homens diretamente nos olhos.

Tudo que ela menos precisava era de mais um homem apaixonado em seu encalço.

Já havia dezenas deles por aí. Centenas, talvez.

Manu sentia-se uma espécie de Medusa dos tempos modernos que amolecia corações ao invés de torná-los de pedra.

Até que um dia, por ironia do destino, foi Manu quem se encantou por alguém. Mais precisamente, por Pedro, seu novo vizinho.

O problema é que Pedro parecia imune aos seus olhares dilacerantes.

Olhares que, em condições normais de temperatura e pressão, fariam um homem médio chorar.

Certo dia, após muito esforço, Manu  conseguiu convencer Pedro de saírem. Estava decidida: iria arrasar o coração daquele homem tal como estava acostumada fazer.

Então, quando sentados frente a frente, já munidos de uma taça de vinho cada, Manu não poupou esforços e lançou seu olhar mais intenso. Seu olhar mais fulminante.

Não funcionou.

De pronto, sentiu-se impotente diante de situação tão peculiar.

Aos poucos, então, o olhar de Manu foi cedendo lugar à tristeza.

E aquela mulher irresistível, de repente, passou a ter um olhar lânguido, um olhar bem diferente de outrora.

Manu, agora com a confiança abalada, sentia-se apenas mais uma mera mortal.

Seu olhar não derrubava mais os homens, quiçá impérios.

Tristes olhos os de Manu. 


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Correndo na chuva

No penúltimo domingo, resolvi sair um pouquinho da minha zona de conforto e correr na chuva.

Não é nada de tão extraordinário assim, eu sei. 

Até porque, como diz um amigo, não somos feitos de açúcar.

De todo modo, é algo que nunca faço de forma deliberada.

Se já o fiz, foi por pura falta de opção. 

Desta vez, no entanto, pensei: Foooooda-se! Vou correr na chuva!

Então, sem pensar muito - o que, geralmente, nos faz desistir -, calcei os tênis recém lavados e, tal qual um Forrest Gump, saí correndo.

Nem mesmo as poças mais traiçoeiras foram evitadas.

Corri com uma puta vontade.

Não sei se foi a água, o vento, a terra ou fogo (interno, no caso), ou mesmo a conjugação desses quatro elementos, mas o fato é que gostei demais da sensação de correr na chuva.

A questão sensorial, sem dúvida, fez toda a diferença. Definitivamente, foi a corrida mais interessante que dei nos últimos anos.

Guardadas as devidas proporções (tenho que parar de falar isso), estava me sentindo um Ayrton Senna.

Como se a chuva fosse uma espécie de elemento mágico.

Um diferencial. 

Neste último domingo, enquanto me vestia para correr, me surpreendi com meus próprios pensamentos. 

É que, quando me dei conta, estava ali, na sacada, olhando para o céu e torcendo por uma chuva torrencial.

Tão logo percebi a incongruência deles, meus pensamentos, sorri.

E pus-me a pensar sobre o quão é bom se transformar.

Eu diria: salutar.


Imagem: http://www.dicasdecorrida.com.br

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Fluidez

Acho que nunca falei isto em voz alta: não escrevo porque quero, mas porque preciso.

Há muito não se trata de apenas mais um passatempo, mas de uma necessidade. Quase primária, eu diria.

Algo que já se confunde com quem eu sou. Pelo menos, é essa a visão manifestamente parcial que tenho de mim mesmo.

Aliás, nem me lembro mais de quem eu era quando não escrevia, tampouco onde canalizava essa energia que vez ou outra me toma de assalto no melhor estilo Chico Xavier.

Brinco, mas às vezes me assusto com a forma como os textos chegam (não entrando no mérito da qualidade deles, o que é bem relativo).

Mais de uma vez, já acordei de madrugada com um texto pronto na cabeça. Bizarro. 

E sempre que isso acontece, acabo me lembrando de yesterday, dos Beatles - guardadas as devidas proporções, claro

Acabo me expondo nesse processo?

Pode apostar que sim.

Me importo com isso?

Não.

Para o bem ou para o mal, sou muito mais do que transpareço neste espaço. 

Por óbvio, uma fração da minha realidade, que, frisa-se, é a que deliberadamente escolho mostrar, não me define.

Nem de longe. 

"De mim você não sabe nem metade"

Sobretudo se levarmos em consideração que, hoje, não sou mais a pessoa que era ontem. Ninguém é. 

Aqui, exclusivamente aqui, com toda liberdade inerente ao ato de escrever, TENTO fazer arte.

Misturar. Isso mesmo: misturar.

Às vezes, apenas realidade.

Às vezes, apenas ficção.

Às vezes, ambos. 

Onde termina uma e onde começa a outra? 

Às vezes, nem eu sei.

De qualquer forma, tenho um objetivo bem específico com isso tudo: alcançar a fluidez.

Na hora da verdade, é o que realmente importa.

Na vida, nos textos, no amor. 

Esse é o maldito segredo: Fluidez.

Imagem: https://br.freepik.com/fotos-premium/estrada-de-asfalto-de-estrada-vazia-e-bela-paisagem-do-ceu_2951583.htm